terça-feira, 11 de novembro de 2008

Décima terceira e décima quarta semanas

Existe uma peça muito famosa chamada "Um Bonde Chamado Desejo", se eu tivesse que escrever um drama ou comédia a essa altura, certamente se chamaria "Um Bonde chamado Mostra Cultural". Pois é... eu acabo de chegar da Itália, onde aprendi os passos princiapais da Trantella, que será apresentada pela nossa companhia de dança da creche São Norberto, que conta com mais de 170 bailarinos profissionais entre 0 e 6 anos. Dos quais fizemos uma rigorosa seleção de 20. Todos os ingressos já estão vendidos e estamos evitando jornalistas, para não estressar as crianças.



Muitas dificuldades mencionadas nas duas semanas anteriores (como noção de pulso), de certa forma, acabaram sendo abordadas naturalmente no desafio de se criar uma coreografia com as crianças. Amanhã o Marcio deve vir ver o ensaio geral, o que, de acordo com ele, "deve ser o que nós iremos apresentar no palco". Se a garotada apresentar no dia 25 o que vão fazer amanhã (dia 12) pro Marcio, acho que vão pensar que é uma companhia de Arte Moderna, ou então algum tipo de esporte novo. Há muito que melhorar até o dia 25. Mas vamos conseguir, apesar dos protestos carinhosos das outras crianças, pois estou me dedicando mais ao 3º estágio, que deve apresentar no dia 25. Ensaiamos duas vezes cada dia, tentando fazer as crianças memorizarem a coreografia, e sentir o ritmo, enfim, fugir de uma performance mecânica.



Muito pode se criticar esse tipo de "dever de apresentação", e a própria Ação Comunitária, se mostra bastante tolerante com relação à participação ou não das crianças em apresentações de palco. O fato é que já marcamos. De todo modo, medir "eficiência pedagógica" é tão subjetivo como medir afeto. Existem muitas noções musicais, corporais, cognitivas (visio-motricidade, audio-motricidade, lateralidade), envolvidas na realização de uma sequencia de movimentos coordenados com uma música. O processo pode realmente ser estimulante, se conduzido de forma (muito) dinâmica. Conduzir uma hora de ensaio exaure as crianças e exaure o educador. Quinze minutos e já estou suado. Trinta minutos e a minha cor já está um pouco diferente. Uma hora depois, eu estou reavaliando as minhas motivações. Mas sempre vale a pena, e tem sido estimulante e divertido. É claro que a gente se preocupa (principalmente os educadores, incluindo eu), de acabar dando o maior vexame no palco, de não ficar bonito, ou algo do tipo. As crianças, no entanto, não me parecem estar dando tanta importância a isso, vivem o presente intensivo, seja no cansaço, seja na vontade de enfrentar o desafios. Elas se divertem! Na hora de pesar o que realmente importa na vida, é sempre bom levar em conta a visão daqueles que nos propomos a ensinar. Dizem que felicidade não se ensina. Se ensina sim. Mas adivinha quem são os professores?

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Décima primeira e décima segunda semana.

Dizem os físicos do século XX que o tempo é menos linear do que se pensa. Se dilata e se comprime. Pouco sei sobre essas teorias, mas o fato é que, agora, em pleno dia 27 de outubro de 2008, sinto que o tempo entrou num trem veloz, desgovernado, e eu o persigo, numa motocicleta, ao lado, pelos pedregulhos de uma estrada mal definida.
Hoje, 6 da manhã, levantei pra ver se conseguia escrever algo sobre as semanas passadas. Senão, nada feito. O fato é que muito aconteceu, e ao mesmo tempo "nada mudou". Fui príncipe encantado, fui vilão, no pátio, o grande teatro das crianças, fui várias coisas, houveram perseguições e abraços, tudo brincadeira. Mas o suor no corpo no final do dia comprova o gasto de energia. Poderia escrever muitas cosias. Existem muitas cenas tocantes, que ficam na garganta e aos poucos vão sumindo da memória, no cansaço dos dias, pois são tantas... e tão perdidas!
Falando mais objetivamente, tentei abordar, numa e na outra semana, pontos menos experimentais, ou seja, tentei me reter ao desenvolvimento de competências musicais mais convencionais, como cantar, e identificar e seguir um padrão rítmico.
Ambas apresentaram um rendimento muito aquém do que eu esperava. As crianças ficam entre sussurrar e gritar, e a idéia de afinação fica totalmente abstrata. Ritmicamente, embora eu perceba que em várias situações cotidianas elas conseguem todas juntas, seguir um padrão rítmico, um pulso; tive muita dificuldade de fazer qualquer coisa do gênero em aula. Escravos de jó, por exemplo, não consegui jogar com nenhum estágio. Deve haver algo a fazer, com relação a isso. Tenho quase certeza que preciso apenas encontrar a abordagem certa.
Passei na prova de ingresso do Mestrado, e estou trabalhando com uma peça de teatro que exige ao menos 4 horas por dia de ensaio, pois fui chamado há 2 semanas da estréia. Numa outra escola já fiz a minha parte, com a "mostra cultural", que foi exaustiva. E agora, vem a Mostra Cultural da Ação. São tantas coisas, são dez pra sete, e eu não tomei café ainda. Vou lá.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Décima Semana

Com os aquários quebrados, a décima semana transcorreu com outra atividade. Em turmas de 10 crianças, íamos à sala de música. Sem dizer nada, eu colocava uma música, "O pássaro de Fogo", num som bem legal que eu instalei na sala. É uma peça orquestral de Stravinsky, com inúmeros movimentos, e dura uns 30 minutos, feita para um ballet dirigido por Diaghilev, no qual uma lenda russa (do pássaro de fogo), é abordada. A música então sugere inúmeras "cenas". Também, sem dar instruções, eu começava a me movimentar lentamente no quadrado circunscrito pelo tapete, e a estabelecer uma conexão com a música e o meu próprio corpo. Algumas crianças, nesse contexto inicial, pegaram revistas da prateleira, vasculharam as estantes do fundo da sala, ou se distraíram brincado. Outras no entanto, percebendo o comporamento um tanto alheio e estranho do "professor de música", tentaram um contato, por meio dos mesmos movimentos. Com o passar do tempo, toda turma foi se envolvendo, de maneira mais ou menos caótica. Essa "liberdade total" sempre faz eclodir um caos total que é sempre surpreendente, e faz qualquer educador se sentir irresponsável por permitir tamanha algazarra, mas é de dentro disso que surgiram, nesses 30 minutos, pelo menos alguns de mergulho total. Essa expressão livre foi uma idéia que me veio das aulas do prof. Iramar, do instituto Dalcroze (Suiça), que deu um curso aqui em São Paulo. A conexão do corpo, com a sensação que a música transmite se transforma num laboratório para o imaginário, para a expressão pessoal.
Em contraposição a essa atividade aparentemente simples, eu tentei fazer um jogo com os copos, no estilo "Escravos de jó". Não consegui que eles acompanhassem se quer o pulso de uma canção. Tentei fazer a atividade antes de colocar a música, mas eles já chegam agitados. Em outra escola já tentei abordar com crianças tambem essa prática de acompanhar o pulso de uma música, ou marchar no ritmo da música. Em ambas as circnstâncis fiquei um pouco frustrado por não obter êxito. Eu tenho certeza que as crianças são capazes (pelo menos grande parte), de seguir uma pulsação. De que adiantam abordagens alternativas e modernas, se certas coisas básicas e até mesmo ancestrais não são incorporadas? Talvez seja bom voltar à moda antiga às vezes.
Recebemos um grande presente da Ação Comunitária. Um teclado Roland. Não poderia vir em momento mais oportuno, pois eu tive de devolver o teclado que eu estava usando (que era emprestado). E vai ser uma ótima para voltar às notas do re mi fa sol la si do e tantas combinações possíveis entre elas, sem falar das canções! Muito obrigado Ação!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Nona Semana

Talvez a primeira semana na qual consegui realmente sentir que as crianças estavam entrando mais em questões musicais propriamente ditas. Por que o aquário faz som? Por que isso acontece? (falei sobre o fato de que a música a gente faz com sons, e que toda matéria pode produzir um som, contanto que vibre, assim como o vidro do aquário vibra com o contato dos nossos dedos. E é muito bonito ver a vibração do aquário espelhada na água, ilustrando padrões da onda sonora). O padrão melódico, a diferença das notas, a reiteração de idéias que geram sentido musical, etc. Tudo isso de certa forma entrou como conteúdo na prática das aulas.
As atividades com os aquários provam que o instrumento musical é extremamente útil para o trabalho com crianças de qualquer idade. Elas gostam de manipular, experimentar. De toda forma, esse contato íntimo com a criação de melodias, o sistema de "pergunta-resposta" ou de "tema-variação" ou de "imitação e desenvolvimento", tudo isso só foi possível porque levava 3 crianças de cada vez na sala de música. Passávamos mais ou menos 15 minutos (dependendo do interesse da criança, ficava-se mais ou menos tempo) e depois eu voltava pra sala e trazia mais três, ou quatro crianças. Essa intimidade, silêncio e paz, conseguia gerar nas crianças que vinham pra sala de música uma atenção muito diferenciada daquela que existe numa sala de aula. De todo modo, você demora mais pra atender a todas, e não dá pra fazer dessa opção mais individualizada um modelo de aulas. É mais uma exceção.
Se não fossem de vidro não teriam quebrado. Fiz um "cemitério" onde eu colocava com as crianças os aquários "mortos em acidente de trabalho". E foram 8. Na útlima aula eu tinha que me virar com apenas 3 aquários, e um tratou de quebrar na volta pra casa. Não é viável mas valeu muito à pena. O instrumento de sucata, ou "alternativo", gera muito interesse, mas é interessante poder contar com um instrumento de verdade, para gerar noções referênciais, na comparação destes sons determinados (do piano, da flauta, do violão, do xilofone), com os sons não determinados, ou não temperados, de muitos dos instrumentos de sucata (ou não ocidentais). Para melhor compreender a diversidade é interessante fazer notar as diferenças.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Oitava Semana

Para não cansar os milhares de leitores desse blog (uau), posso dizer de antemão que a postagem da sétima semana diz muito já do que se passou nessa oitava, afinal, ele foi escrito durante a oitava semana, embora se referisse à anterior. Mas no útlimio dia, o filme já havia acabado, e comecei uma atividade com aquários. Não, eu não mudei de profissão. Na verdade, me inspirei em um amigo meu, que ia em lugares cheios de bugingangas, tipo bazar, armarinho, aqueles lugares onde vende tudo aquilo que parece legal, que certas senhoras até compram, mas que no fundo, a gente se pergunta para que servem. Esse amigo, chegava com uma baqueta de bateria, e começava a percurtir todas essas bugingangas. Ele tinha preferência por coisas de vidro e barro. Antes de ser mandado embora pelo segurança ou pelo dono da loja, ele era capaz de constatar aqueles materiais que faziam um som interessante. Foi aí que descobriu uma pequena loja perto do metrô Ana Rosa, que é praticamente imperceptível ao passante desatento, mas que quando você entra, encontra tantos cacarecos, que se pergunta como alguém pode sobreviver vendendo essas coisas, e o pior, é que tá sempre cheio lá dentro, geralmente com umas velhinhas animadas, com cabelo colorido.
Foi lá que ele encontrou uns aquários, cada um custa três reais. E cada um faz uma nota bem legal. Se você molhar a ponta do dedo e passar pela borda circular do arquário (eles são pequenos e circulares, como os aquários que aparecem em desenhos animados) - ele faz um som linear, muito interessante, a partir da vibração que o dedo estabelece no vidro. Colocando água no aquário, muda a nota. É bem curioso, embora não seja um material pedagógico ideal, pois é de vidro, muito frágil. Mas a novidade serviu para atrair a atenção das crianças. Colorindo a água de cada aquário, fizemos, na verdade, a gente tentou fazer um jogo, de cor e som. Fiz vários cartões coloridos, umas crianças seguravam determinado cartão, e a outra tocava os aquários de cor correspondente. Muitas brincadeiras de cor-som são possíveis com esses aquários coloridos. Outra bem legal é o professor executar padrões em três aquários, por explo, um verde, outro amarelo, e outro vermelho. E a criança tenta imitar a mesma sequência feita pelo professor ou por outra criança, respeitando a ordem das cores. Interessante que como cada aquário faz uma nota, dessa brincadeira surgem muitas melodias. As crianças ficam muito antentas porém, ao ato de execução em si, e às atratividades da água, do vidro e da cor. Mas até que algumas composições surgiram. Interessante que nessa aula, as crianças se dispersaram completamente, mas sempre havia uma ou duas que gravitavam do meu lado, compondo melodias comigo nos aquários. Depois se cansavam, mas aí, alguém que estava brincando se aproximamava e "brincava" comigo, e nessa descontração, nesse caos de aula, até que aconteceram muitas trocas. Um olhar que aguarda um sinal. Um som que atrai um olhar. É a melodia que sorri!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Sétima Semana

Preciso fazer uma enquete pra ver quem viaja mais, se o Lula, o Fernando Henrique, ou Eu. Pois é. Mais uma semana fora do São Norberto, mas eu não fui aos Emirados Árabes, nem visitar a rainha da Inglaterra. De todo modo até que eu achei viajar para Campinas legal, na verdade tive até a impressão que não viajei pra campinas, viajei foi para uma biblioteca, pois como não tive tempo de me preparar para a prova de mestrado, resolvi estudar o máximo possível cinco dias antes da prova, e depois, fazer os três dias de prova. (É prova para ingressar no Mestrado em Processos Criativos, no Instituto de Artes da Unicamp. Parece chique mas o prédio do instituto de Artes é bem caidinho...rs).
Que saudade que deu das crianças! A biblioteca é silenciosa demais. Estou de volta, já dei aula hoje, mas comento na próxima postagem. O que posso dizer é que ainda não deu saudade da biblioteca. Antes de viajar, foi a sétima semana. Foi a continuação do filme Fantasia 2000. Eles estão vendo aos poucos. E vejo que uma série de coisas podem ser muito melhor exploradas com relação à conexão música-imagem. O mais fácil de fazer é colocar o filme, e mandar as crianças fecharem o bico, mas se perceber bem, existe uma tendência interessante nas crianças: - elas interagem muito com o que assistem. Isso se deve, acho, a dois fatores: um, é que elas não têm costume de ir ao cinema, teatro, concerto, etc, esses lugares onde as pessoas aprendem a ficar em silêncio e bater palmas nas horas convencionadas. O outro fator, é realmente, envolvimento, imaginação. Então, o desafio é potencializar um sem anular o outro, ou seja, ao mesmo tempo que a criança deve tomar contato com o ato da “interação interior”, ver algo, sentir e comentar internamente, sem falar, deve buscar uma percepção muito ativa, que interaja com o conteúdo. Portanto, é necessário que os conteúdos do vídeo não sejam expostos de modo muito linear e passivo pelo próprio educador. Há sempre que trabalhar aproveitando a interação e fazendo interrupções para combinar momentos de silêncio. Na verdade, explicando assim aqui no blog fica meio difícil de me fazer entender. Mas resumidamente é criar uma atividade cruzada, assistir ao filme-música, sim, mas ao mesmo tempo, ter uma conexão puramente sonora, intercalando momentos com imagem e sem imagem. Momentos de filme, com momentos onde se comenta uma história, ou se chama atenção para um determinado som... é uma boa dica, pra mim mesmo! Pois foi o que não fiz na sétima semana e que posso tentar agora. Uma aula dupla funciona, duas atividades distintas também, uma sem o filme como que para introduzir alguns elementos, sem explicar nada, mas trabalhando algumas conexões entre gesto e som, entre som e trajetória, por exemplo. A sétima semana foi legal, mas algo faltou. O filme apenas pode ser cômodo demais pra mim, é só colocar, mas realmente a forma de interação deles com o conteúdo é diferente e se beneficia de uma mediação bem ativa e inteligente do educador. Agora, vê só, pela previsão do tempo amanhã vai estar aquela garoa, fininha, um friozinho, as crianças querem ficar encolhidinhas perto de você. E, pra falar a verdade, o que dá vontade mesmo, é de pedir uma pipoca.

domingo, 31 de agosto de 2008

Sexta Semana

Essa semana estou com pouco ânimo para escrever. Algumas coisas mudaram nestes últimos tempos. A vida é como um barco que a gente direciona pra direita ou esquerda sempre achando que os caminhos serão diferentes, mas o mar, sempre tão presente, parece que não muda! Sobre isso, meu "barco", que é a minha vida, tem feito diversos percursos (espero que não esteja em círculos); ora professor, ora universitário, ora pianista, ou compositor, ou fazendo trilhas para vídeo ou teatro.
Enfim, mudar assim cansa um pouco porque não se fica bom em nada. Essa semana ficou clara uma coisa que eu já desconfiava. Ser "educador cultural", professor, é uma carreira em si. O "saber transmitir" é tão ou mais amplo que o conteúdo da transmissão. Música é uma coisa infindável, e sua transmissão, ensino, também. Eu vim de uma semana que me fez pensar muito sobre o que quero fazer. Entre a quinta semana e a sexta semana, houve um intervalo, também de uma semana, na qual eu fui fazer um curso de análise musical, na Unicamp, com um professor chamado Claude Ledoux. Como vou prestar mestrado logo mais, utilizei o curso para ver se rememorava essa disciplina chamada "análise musical", que vai cair na prova.
Esse curso, e a própria perspectiva do meu projeto de mestrado, me dividem um pouco entre a carreira de educador e de compositor, a atividade acadêmica e a social. Esse professor, chamado Claude Ledoux tem uma excelente reputação como pedagogo, além de artista. As aulas ficaram lotadas, com pessoas sentadas no chão, e pra fora da sala, inclusive, todos os professores de composição da unicamp frequentaram as suas aulas, tamanho era seu carisma e conhecimento. Não é a toa que ele é professor de análise musical no conservatório de Paris, o conservatório mais importante do mundo. (se é que se pode dizer isso.rs). De todo modo, o professor Ledoux era extremamente simples, e saímos para conversar, beber algo depois da aula e nos tornamos amigos. Eu o ajudei a encontrar um hotel aqui em São Paulo, etc. Uma das principais lições das suas aulas, foi destacar a importância, mesmo no círculo de especialistas, de se voltar à simplicidade da escuta. Escutar, sem teorizar, e incluir a experiência humana como elemento de análise, ou seja; por mais que hajam teorias, cada ser humano é um, e tem suas próprias experiências, não há certo e errado na música. É o que gostaria de passar às crianças do São Norberto: a escuta, da maneira mais humanista possível.
Nessa semana houveram inúmeros imprevistos. Tentando retomar o que trabalhei com o Rimsky Korsakov, nas duas semanas anteriores, pensei em seguir estabelecendo relações entre música e imaginário. Sempre tentando expor as crianças ao repertório instrumental, orquestral. Sem letra. Não porque a música erudita seja mais apropriada ou melhor que a música popular, ou canção. É apenas porque é uma escuta que propõe um desafio à escuta, a atenção, e tem muito espírito humano dentro dela. Tanta paixão quanto uma música cuja letra fala de amor.
Para continuar o percurso música - imaginario, trouxe um filme chamado Fantasia 2000, no qual diversos animadores contratados pela Walt Disney desenham a partir de diversas obras de música erudita. Houve uma versão mais antiga em 1940, que foi um fracasso de público e crítica, e Fantasia foi sendo considerado aos poucos a produção mais "artística" da empresa, que por fim fez uma reedição do antigo clássico, chamando de Fantasia 2000. Conectei o DVD aos monitores de Audio, e o som ficou muito bom. As crianças realmente se envolvem com a música e os desenhos. Porém, o fato é que, educacionalmente, é difícil esperar das crianças uma percepção da música à priori das imagens. Elas fazem o contrário, prestam atenção e seguem a lógica do desenho. De todo modo, há música o tempo inteiro, já é um começo. Mas apenas um começo.

domingo, 17 de agosto de 2008

Quinta semana

Olá, vi seu recado na secretária eletrônica. Eu estava dando aula lá na creche, fui na quinta, mas não fui na sexta, porque trabalhei na madrugada anterior. Na aula de quinta eu trabalhei a mesma música, só que agora com o desenho. Só uma turma entrou nessa de desenhar calmamente, teve outra que rasgou o papel inteiro... não se se é a música que eu estou trabalhando que agita demais eles (KORSAKOV, Rimsky - Sheherazade, 2o movto). Eles entram na viagem da música e começam a correr pela sala, pular, etc. Difícil controlar os ânimos. E que ânimos!

bem, não posso desanimar, preciso pensar em outra coisa, e aperfeiçoar essa idéia do desenho com música.

beep beep
MANU

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Quarta semana

Olá, recebi sua carta mas essa semana os trabalhos foram intensos e não tive tempo de responder. Puxa vida, que pena que você foi assaltada! É, essa cidade não é fácil. Inclusive, lá no São Norberto ouvi falar que teve um caso de roubo de trufas no ano passado, mas foram só boatos na hora do almoço, sabe como é né. Não é possível que aqueles anjinhos tenham feito algo assim!

Não te mandei notícias esses tempos porque fiquei duas semanas sem ir lá na creche. Primeiro veio aquele curso, que aliás, merece uma postagem especial só pra comentá-lo, e depois, fui trabalhar como técnico de som pra filmagem de um documentário sobre o Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negres o COPENE. Muito incrível, cada história de vida dos pesquisadores e a batalha toda para fazer com que os descendentes de africanos no Brasil se libertem dos sinais e injustiças que a escravidão deixou ao longo da história do país, que como se sabe, tem uma péssima distribuição de renda. Aqueles que tiveram antepassados escravos, sabem muito bem que a abolição da escravidão não melhorou muito as condições de vida do negro, salvo com muita garra.

Falando em garra, o começo dessa semana lá com a negadinha do São Norberto, foi bem difícil.



difícil

di.fí.ciladj m+f (lat difficile)

1 Que não é fácil, que custa a fazer, que dá trabalho. 2 Penoso: Movimentos difíceis. 3 Árduo, laborioso: Tarefa difícil. 4 Complicado. 5 Intrincado. 6 Pouco possível; improvável: É difícil que isso aconteça. 7 Arriscado, perigoso. 8 Custoso de contentar; exigente. 9 Avesso, contrário, relutante. 10 Custoso de compreender; obscuro. 11 Intransitável: Caminhos difíceis. Antôn (acepções 1, 2, 3, 4, 5 e 10): fácil. (Dicionário michaelis).



E olha que fiz com grupos menores... e mesmo assim, que baile! Só no segundo dia é que eu peguei a manha. É! Tipo aquela coisa que a faculdade não ensina. Você sente que precisa mudar uma entonação de voz, uma estratégia, e as coisas mudam drasticamente.



Ainda estou pensando no que fez com que as aulas, de repente, começassem a dar certo. Acho que tem a ver com o que a Rita me falou uma vez, que há uma "maneira especial" de falar, para atrair a atenção dos pequenos.



Primeira coisa: quanto menos explicar melhor. Quando eu tentava convencê-los a ouvir uma música, eles, durante a minha fala, puxavam uma revistinha (ooo tioo olha eu achei a branca de nevee!) ou mostravam o tênis novo (ooo tioo manuel olha o tenis novo olha olha olha), ou alguma coisa do gênero. E daí, você chamava a atenção de uns, e outros já tinham levantado pra ver o que tinha atrás do biombo (tiooo tem fantasia aqui dentro do armário!!), daí você vai chamar eles, e outros dois encontram seu celular recarregando (oo tio que legaal seu celulaar, é seu messmo??) . Daí você pensa que já está tudoo dominadoo e um deles descobre como liga o piano, e o outro já tá mexendo no computador... enfim... dá pra sentir o nível de ordem de uma aula na nova "sala de música", cheia de novidades para as crianças.



No dia seguinte, resolvi fazer diferente. Eu pegava as crianças na sala, o grupinho, e tentava estabelecer um laço de cumplicidade com eles. Era pra gente descer, invisíveis, pra ninguém ver que a gente estava indo pra salinha, só nós. E eu sempre ia à frente pra ver se não havia nenhum perigo no caminho. Detalhe, eu não explicava nada. Só o fato de ir olhando na frente e fazendo gestos como se estivéssemos entrando em territórios desconhecidos, eles já captavam na hora. No pátio, eu andava sobre as linhas da quadra, bastou em andar com os braços estendidos, todos entendiam que era para se equilibrar sobre a linha, bastou eu comentar que nao queria sair da linha porque senão iria cair no lago verde da quadra, todos entenderam que seguir a linha era necessário, não porque o professor mandou, mas sim para não "cair no lago". E faziamos um percurso cuidadoso, com toda a atenção que envolve o ato de se equilibrar numa linha. Fizemos inclusive os caminhos com as linhas invisíveis. Era com esse percurso que eles entravam no território que eu queria, esse território da imaginação. Ou talvez, quem entrava era eu, visto que eles já vivem nele... a gente é que acaba quebrando o encanto. Antes de entrar na sala, eu pedia para eles esperarem um momento, sempre com gestos, nunca falando, e tudo ficava silêncioso e na expectativa. Então, eu olhava para dentro da sala, olhava de volta pra eles, que esperavam ansiosos para ver se estava tudo certo lá dentro. O Wesley Max, do 3o nessa hora chegou perto de mim e perguntou cautelosamente: "Ei tio, a barra tá limpa aí dentro?" Ainda bem que eu não ri na hora... "Acho que sim... vamos entrar" E todos entravam na ponta dos pés, enquanto eu apontava para o tapete. Ao invés de explicar que iria colocar uma música e que era pra eles prestarem atenção , e que iria contar uma história, eu passei a, assim que eles entrassem, me sentar, e colocar a música. Em algumas turmas, mesmo com a música começando e eu iniciando a narração da história (junto com a música), havia crianças que se dispersavam. Eu então, enquanto contava a história, as vezes "saía dela" para chamar a atenção, e voltar a contar. Percebi que isso quebrava o clima, mas não via outro meio. Depois, passei a simplesmente ignorar as crianças que se dispersavam, mergulhando inteiramente na história, narrando da forma mais teatral possível. Muito interessante que as crianças dispersas, de repente voltam pra história, de modo muito ativo, fazems os gestos que, se a gente fosse explicar ou pedir pra eles fazerem, eles talvez nem fariam com tanta entrega. Percebi que, apostando nessa entrega total, é muito provável conseguir envolver a todos em determinado momento. O meu objetivo era na verdade mesclar duas coisas: MÚSICA + SENSAÇÃO. Ou melhor, "ensinar que" Música = Sensação. Ou Sensação + Imaginação = Música. Ou movimento + sensação = Música. Ou, sensação + música = movimento. E é incrível como as crianças realmente vivenciam a música de modo intenso por meio de movimentos. A sala de concerto ideal para crianças seria uma sala linda onde elas pudessem dançar livremente. Elas se movimentam por um impulso muito natural, por uma vontade genuína que a música inspira. Ainda mais a criança brasileira, que tem tanto ritmo. Foi muito gratificante pra mim essas descobertas, e conseguir fazê-las mergulhar numa música, mesmo que ainda com a atuação da narrativa. O ideal é, aos poucos, ir tirando as histórias da voz do educador, e fazendo com que as crianças se permitam o contato com a imaginação delas mesmas, com o fluxo irrefreável do inconsciente, quando ouvimos uma música sem letra. Quando a música tem letra, a poesia dá o sentido. Música sem letra fica toda a atenção (ou distração) para os sons, sem significado literal, o que é um trabalho incrível de abstração, sensibilidade e imaginação.

As aulas, no início eram mais longas, depois que consegui esse outro formato, elas passaram a ser mais curtas, porém bem mais intensas. É muito bom ter o privilégio de trabalhar do jeito que quer e de poder experimentar. Preciso agradecer ao pessoal do São Norberto. Enfim, e você, tá trabalhando onde mesmo?
abraços
MANU




terça-feira, 22 de julho de 2008

terceira semana

riiiiiiing riiiiiing riiiiiiiiiiiiiiiiiing !!!

-
alô.
-Alô? É o Manuel??
- Sim...quem é?
- O do Blog?
- Ahn... eu mesmo...
- Como foram as aulas na última semana?
- Deu tudo errado... quem tá falando?
- Nossa, você parece que tá meio desanimadinho hein!
- Humpf, são três horas da manhã...o que você quer?? Eu já disse que não quero nenhum outro produto Tefônica!
- Ai! Não é nada disso! É que você não postou seu blog da terceira semana!
- ahn?
- Eu estou ansiosa uai !
- Espere um minuto, deixa eu acender a luminária e me sentar, não estou entendendo nada.
- Por que você ainda não escreveu?
- Não tive tempo, estou fazendo um curso, e também... mas peraí! Quem é você?? Por que está me ligando a essa hora?
- Fiquei ansiosa uai...
- Você já disse isso.
- Eu sou sua fã.
- ?!
- É ! Isso mesmo! Eu acompanho todos os seus passos! Sou sua fã !
- ai meu deus, acho que tomei o comprimido errado.
- Que foi? Não é ótimo isso? Ah confessa, dá uma levantadinha na moral isso de ter uma fã vai.
- Estou mesmo achando maravilhoso receber esse telefonema de madrugada. Levantou a minha moral.
- Sério?
- Não. Estou sendo irônico.
- Ai credo, que humor hein. Mas só me diz, você não teve tempo então de postar nada no blog?
- É. Estou fazendo uma oficina chamada "VI Oficina Ritmica de Dalcroze", com um professor brasileiro que mora na suiça, licenciado num instituto chamado "Intituto Dalcroze".
- O que é isso?
- Dalcroze foi um compositor que ficou muito importante por criar um método, que levou o nome dele, e nesse método ele propõe uma musicalização por meio da junção da música com o corpo e o movimento, então todos os conceitos musicais são aprendidos corporalmente antes e tem vários exercícios e
- Ah legal. E como estão sendo as aulas dessa oficina?
- Vou fazer uma postagem sobre isso mais tarde, ok? Posso desligar?
- E como foram suas aulas na última semana?
- Você é da ação comunitária? Já sei, eles mandaram você me ligar, foi isso. Estou sendo testado. Só pode ser.
- Que nada! Diga diga diga
- tá bom, tá bom! As aulas foram boas!
- Mas você não disse no começo que deu tudo errado?
- Mas foi boa mesmo assim.
- Como assim?
- Percebi algumas coisas, e não deram tão errado assim, as coisas que não funcionaram foi bom porque acho que sei porque não funcionaram.
- Oh, mas o que poderia ter saído errado, você é tão maravilhoso! Tão magnífico!
- Menos menos, por favor... o pessoal do blog vai achar que estou fazendo um elogio a mim mesmo...
- Que erros foram esses?
- Não sei, tive a nítida impressão que dar aula para um grupo de crianças envolve uma coisa próxima do que eu sinto quando estou num palco, é uma tensão contínua para conseguir manter a atenção deles.
- Nossa, elas são tão terríveis assim?
- São. Quer dizer, não é isso. É que elas realmente esperam alguma coisa da aula de música. Parece que elas precisam viver intensamente as coisas, se você não oferece essa intensidade para elas, elas seguram em algum outro cometa e saem voando.
- Nossa, mas tem cometa lá??
- É uma metáfora.
- Ahn. Então quer dizer que você tem que prender a atenção delas.
- Pois é, isso é óbvio. Pelo que vi existem algumas maneiras de fazer isso. A mais utilizada, e às vezes a mais eficaz é chamar a atenção dando uma bronca, exigindo silêncio, enfim, fazendo com que obedeçam, sigam a aula minimamente. Senão você realmente não consegue dar aula.
- Sei.
- Mas o problema é que a minha personalidade não favorece muito esse tipo de intervenção. Eu tenho um jeito mais calmo, estou tentando encontrar modos alternativos.
- Quais?
- Foi observando os educadores. Existe uma maneira toda especial de se reportar a um grupo de crianças. Quanto mais artística é essa maneira, mais eles embarcam. Pra mim é quase como incorporar um ator, um bufão ou outra figura semelhante, e tentar levar as crianças na viagem.
- Ahn. Os educadores fazem isso?
- Cada um tem o seu jeito, a sua habilidade. É verdade que um personagem comum de aparecer numa rotina com essas crianças endiabradas é aquela cara bem brava que diz "Sossega menino !! Para com isso!!! Fica queto!! Sentadinhos agora!!".
- Mas e como você pretende fazer se não tem muito esse personagem mais rigoroso?
- Vou tentar outros, e também vou ter uma sala de música, onde vou poder colocar um som, instrumentos, enfim... vou ter mais recursos aos poucos. Tenho um som profissional que uso para trabalhar, que vou levar, acho que vai facilitar o envolvimento das crianças com outros tipos de música, o som bem nítido, sabe? Vou poder criar dinâmicas com desenho, e também posso usar o pátio que vai ficar do lado da sala.
- Nossa, eles vão quebrar tudo.
- Acho que não. Eu quero criar um clima diferente lá. Quero que seja um local que elas considerem como especial, não sei exatamente como, mas vou tentar fazer com que elas sintam que aquela sala é um refúgio.
- Acho que é você que quer um refúgio das crianças, elas vão brincar como em qualquer outro lugar.
- Talvez, mas tem o tapete, sofás, vai ter o som, o piano digital, e vou aos poucos trazer coisas para confeccionar junto com as crianças, chocalhos de Yakut, além das práticas com desenho, essas coisas, estava pensando em um modo de fazer com que elas sentissem ali um local aconchegante. Quem sabe até pintar alguma parte da sala com elas, com as cores que elas escolherem, ou fazer um quadro, não sei.
- Por que acha que elas mudariam o comportamento lá dentro?
- Acho que existem realmente alguns problemas disciplinares, algumas crianças mais difíceis, principalmente no 3º estágio, mas pelo que percebi, na maioria das vezes o que essas crianças indisciplinadas demonstram é um enorme carência de atenção, ou algo assim, elas na maioria das vezes desafiam você e ao mesmo tempo te cobram alguma coisa, sinto isso.
- Entendo, mas na sala isso mudaria?
- Eu queria levar turmas menores lá, para poder dar realmente uma atenção diferenciada.
- Ah tá, mas aí você está trapaceando não é?
- Se isso fosse uma competição, certamente. As educadoras, por exemplo, no contexto da creche do São Norberto, não podem se dar ao luxo de dividir as turmas, existe uma enorme procura por vagas, e em torno de 20 crianças são colocadas na sala, na escola pública esse número aumenta ainda mais.
- E você já tem uma sala própria e ainda quer dividir as turmas?
- Não todas e nem sempre. Preciso conversar com a coordenação da creche sobre isso. O meu argumento é o seguinte: musicalização é um processo muito delicado, porque só é possível um processo de musicalização quando a criança realmente se envolve emocionalmente. A musicalização antes de tudo é sensibilização, não se trata de "ensinar algo", mas sim de permitir ás crianças um momento sem carência, em paz, no qual elas utilizem os ouvidos para algo diferente do que escutar os adultos. Ou do que disputar algo com o colega. Realmente é necessário sair da rotina. Um bom momento desses vale mais do que mil aulas de música no qual o educador é identificado como mais um professor ao qual eles são obrigados a obedecer.
- Mas vai gerar um problema. Se você dividir turmas, uma parte da turma vai ter aula em um dia, e a outra, no outro. No total, em uma semana, a turma inteira terá tido apenas uma aula, e não duas, como teria de ser.
- Você é da Ação Comunitária né? A Irani ou o Márcio mandou você me ligar, é isso?
- Aff... desconfiado você hein...
- De qualquer modo eu iria lá duas vezes por semana. Acho que se funcionar, essa maneira pode fazer essa única aula, valer mais do que quatro vezes em sala de aula. E tem outra coisa... sabe aquilo que eu falei sobre "estar no palco"?
- Ah sei. Que dar aula é parecido como estar no palco.
- Isso. Só que quando a gente faz uma peça de teatro ou concerto, a gente se cansa. Eu senti um desgaste semelhante. Agora imagina você se submeter a esse desgaste durante 6 horas.
- Quer moleza?
- Não é isso. O que quero dizer, é que indo de sala em sala, com as turmas completas, com toda aquela energia acumulada que os educadores têm que administrar em sala de aula, e tentar passar algo sobre música, desgasta a ponto de fazer o rendimento das aulas da tarde serem inferiores aos das aulas da manhã.
- Eu acho que você precisa comer mais feijão.
- É, rs. Preciso, mas você há de convir, que é diferente ser um educador e ficar o dia todo com a turma, fazendo as atividades, do que ser o professor de música, que quando entra na sala, tem a obrigação de fazer algo diferente, as crianças ficam esperando isso. E a cada nova sala, você tem que ter intensidade 100%.
- Você está insinuando que o seu trabalho é mais difícil do que o dos educadores, ouvi bem?
- Não... talvez seja até mais fácil. Ou melhor, não importa. Só sei que são dinâmicas diferentes. Uma é aquela do educador que fica com a turma durante o dia, passa com eles momentos onde eles brincam com pecinhas, contam histórias, passam lições, aplicam o projeto, fazem anotações nas agendinhas, sepram brigas, enfim, acompanham uma rotina. No meu caso, eu faço o oposto, eu tenho que ser responsável por uma quebra na rotina. Se eu agir nas mesmas condições deles, a aula de música não vai quebrar essa rotina, vai ser apenas mais uma parte da rotina. E é aí que eu acho que a aula de música se tornaria infrutífera, porque é quebrando a rotina que a criança poderia mergulhar nesse universo de sensibilização.
- Ai, meu ouvido tá doendo.
- Ué, você que puxou o assunto.
- Então você acha que você tem que quebrar a rotina.
- Resumindo, é isso.
- Entendi, mas se os educadores se esforçam para manter uma rotina, não vai prejudicar você quebrar?
- Nem tanto. Os próprios educadores também dão surpresas aos alunos, é nesse ponto que as crianças respondem com o mais especial que elas têm. Acho que um dos maiores desafios dos educadores é que eles têm que ao mesmo tempo, passar às crianças a noção de uma rotina, de uma ordem, enfim, noções que muitas vezes podem estar faltando até em casa, e que toda criança precisa conhecer para não ficar perdida mais tarde no mundo adulto, e ao mesmo tempo, lidar com o caos que o universo infantil impõe, a magia, a criatividade, a dinâmica.
- Ainda bem que eu não sou educadora.
- Você faz o que?
- Eu sou fã, ué. Fã profissional.
- Não sei não, tou achando que você é da Ação Comunitária.
- Não não... vamos mudar de assunto. Então você volta na semana que vem, é isso?
- Sim. Vai ter o curso de educadores também. E também ganhei um presente legal na semana passada.
- É mesmo? Quem te deu?
- A Rose.
- Fiquei com ciúmes.
- É um livro bem legal chamado "Linha e Rodinha", tem muitos exercícios, muitas idéias de práticas com as crianças, vai ser muito útil, fiquei realmente muito agradecido. Ela deve ter lido o meu blog e pensado "vixe esse aí tá precisando de uma mão!!". Eu agradeço muito a ela!
- Grrrr.
- Para com isso, ciúmes!? Eu nem te conheço!
- Tem certeza?
- Bem... hoje eu liguei na ação comunitária e a pessoa que atendeu tinha uma voz que me lembra a sua...
- Eu hein, eu num fico servindo sopa pra pobre.
- Que horror! Essa é a visão que você das ONGs?
- Só quis eliminar suspeitas, entende?
- Tá. Preciso voltar a dormir. Amanhã o curso é cedo.
- Tudo bem. Já satisfiz um pouco da minha curiosidade.
- Escuta...
- Diz.
- Você não é mesmo da ação comunitária??
- Não...

imagiiiiiiiina.....

tuu tuu tuu tuu tuu

sábado, 12 de julho de 2008

segunda semana

A segunda semana foi de fato o meu Debut, e como era de se esperar, não saiu muito como eu planejei. Eu tinha pensado no primeiro dia somente acompanhar com a escaleta uma educadora contando uma historia, e depois tentar chamar atenção para o que eu havia tocado. Eu esperava que elas reconhecessem certas relações que geralmente se estabelecem entre um determinado som e uma idéia extra musical associada, como por exemplo: uma escala descendente, como algo que desce, e uma escala musical ascendente, como algo que está subindo. Me parece que não necessariamente as crianças sentem dessa forma, e talvez não seja necessario que elas sintam dessa forma. Talvez seja um erro meu querer construir uma relação entre as crianças e a música a partir do uso de "metáforas musicais", ou seja, som grave é o som do elefante, som agudo, do passarinho, som desse jeito é o trovão... visto que os sons da escaleta são aqueles sons da escaleta e não "outra coisa". Me parece que como adulto sempre me sinto ansioso para que as crianças "nomeiem" os sons, a minha sensação de que eles estão aprendendo está ligada à capacidade que eles mostram que estão se relacionando racionalmente com a música. Mas me pergunto... como será que eles ouvem a música dentro deles, quando não há essa intermediação? Esse "como" não dá pra colocar em palavras, da mesma forma que, no fundo, não dá pra colocar em palavras "o que um som quer dizer".
Eu realmente vou ter que parar e pensar no que fazer para a próxima semana. De todo modo vejo que atenção deles é breve.
Consegui um êxito maior quando desisti de propor um "modelo de apreciação" (no qual as crianças teriam de relacionar um som com uma estrutura específica), apresentando apenas o instrumento como se fosse uma pessoa, ou entidade.

A partir dessa "presença mágica", consegui uma atenção das crianças para criar jogos do tipo, som, silêncio, e variações de dinâmica (volume alto, volume baixo). Mais eficaz do que moldar uma apreciação é buscar modos de diálogo no qual as regras não exijam uma redução da abstração da musicalidade. Acho que fica estabelecida a "presença mágica" a partir do momento em que o instrumento mostra sua língua mais musical do que a nossa, verbal, e deixa de funcionar como código de comando.

Coloquei em prática o diálogo das crianças com ela, a minha ilustre e exigente convidada - a escaleta - (que eu apresentava às crianças como uma amiga minha que estava presa em sua caixa, e que tinha medo de crianças pois dizia que elas faziam muito barulho, o que me deixava propor às crianças fazer o "jogo do silêncio" para encorajar a minha amiguinha a sair da caixa e tocar algo). Consegui o envolvimento momentaneo absoluto, muito especial, de todas as crianças. Mas, quanto melhor o truque, menos ele dura.

Um problema surge quando um climax dá vasão à ansiedade criativa das crianças, que finalmente ultrapassam a linha misteriosa que os separou até então, e passam a querer brincar com o instrumento, e a disputar a minha atenção, e finalmente dispersarem toda aquela vontade de música que é também vontade de brincar, uma e outra, se misturando como deve ser, mas sem ter ainda como tomar forma, pois brincar de música exige um treinamento de escuta muito grande, e quando se fica afoito por música, por brincar, geralmente não se escuta muito...
O desafio é regular a "temperatura" provocando sempre um efeito de reconstrução daquele mistério inicial. Intercalar atividades sem instrumento pode ser também uma boa idéia para que eles não fiquem tão agitados a partir do momento em que se vejam na possibilidade de tocar.

As crianças do primeiro estágio me pareceram bem distantes do desempenho das crianças do 2º e 3º estágios. Nas do primeiro, tudo me pareceu muito "interno", me deu até uma sensação de ser totalmente extrangeiro ao mundo delas, e de não ter nenhum tipo de passaporte, como me sinto às vezes com bebês, com os quais eu ainda não consigo conversar muito bem. Nas do segundo e terceiro estágio, já sinto uma facilidade maior delas em absorver propostas de jogos, com regras etc, senti aliás, que meu passaporte com elas (e talvez com as mais novas também) é o jogo. Só me sinto entre elas quando consigo imergir com elas num jogo, ou relação mágica, de expectativa, novidade... é muito difícil manter isso. Devo criar jogos que envolvam um "despertar da escuta", e quem sabe, eu possa, na medida do possível, fazer com que a escuta em si, ofereça suas próprias regras. Quem sabe um dia...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

a primeira semana.

Oi, fiquei muito feliz em receber sua carta.
Pois é, como você falou, a região do São Norberto é realmente bem carente. Bem, você me perguntou como foi minha primeira semana e eu posso lhe dizer que foi parecida com uma pré-estréia, só que sem o filme ainda. Eu trabalho às quintas e sextas-feiras. Na primeira quinta-feira, eu fui até a creche, aprendi o caminho e fiz a reunião com a direção; a Rose que é a Diretora da Creche (ou pelo menos isso foi o que me pareceu), e a Izabel, Coordenadora Pedagogica, e tem também a Elaine que acho que é assistente. Foi também uma representante da Açao Comunitária, putz, eu sou péssimo de nome, não sei se chamava Adriana, ou... sei que era uma mulher negra, de cabelos longos. Li o projeto pedagógico da creche, e vi o material que eles têm lá de música. Ah, você sabe né, sou educador cultural de música.

Na sexta cheguei às 8:00 e acompanhei a rotina da creche assistindo as atividades das educadoras do São Norberto. As crianças me perguntaram se eu sabia alguma musiquinha de criança, eu sei aquelas tipo "O Cravo Brigou com a Rosa", mas me pareceu meio antiguinha! Parece que estou meio desatualizado, elas sabem muitas musiquinhas, nossa, tenho que aprender algumas, você sabe alguma??

Bem, agora já é véspera da quinta e sexta da segunda semana, é quando eu vou começar de Fato a dar a primeira aula. Na Ação Comunitária parece que eles esperam que você faça um diagnóstico da turminha de crianças... mas eu sinto que quem precisa de um diagnóstico sou eu! Já deu pra sacar que Educação Infantil é um universo bem diferente das aulas de música que costumo dar para adultos, adolescentes e crianças maiores de 7 anos. Os pequenininhos estão inaugurando o olhar, e eu tenho que re-inaugurar o meu.

Amanhã eu pretendo conhecê-los melhor e ver se eu sou mesmo capaz. Vou levar a minha escaleta, que faz um som parecido com acordeon, aproveitando que vai ter festa junina no sábado. Vou pedir pra educadora contar uma história, enquanto ela vai contando eu vou tocando a escaleta como que fazendo a trilha sonora. Depois, na roda, eu vou fazer somente a trilha e ver se as crianças identificam de que parte da história era. Será que é muito bobo? Desse modo eu acho que vou conseguir sentir a capacidade de atenção das crianças, como elas reagem ao som que eu vou fazer, e ver se elas conseguem de repente até construir histórias novas a partir da música que eu estiver fazendo.

Na sexta-feira, vou fazer vários jogos de mãos, sendo que um vai ser de cantar o próprio nome assim:
eu canto "Qual é o seu nome?"
e a criança em roda responde: "Meu nome é xxxx"
Só que quando ela cantar o nome dela, tem que fazer junto algo com as mãos, batendo palmas ou no chão. E repetir depois três vezes. Quando ela começar a repetir todas as crianças devem fazer a mesma batida de palma, no mesmo ritmo que ela. E assim eu vejo se aprendo o nome das crianças também. Depois, posso tentar ver se elas conseguem identificar o nome de alguém pela forma de bater as mãos. É importante incentivar as crianças a não só baterem palmas, mas também fazer variações, batendo a mão no chao, ou os pés, ou outros gestos, pra gente se lembrar bem dela. Isso deve durar uns 10 minutos, depois tem a brincadeira siga o mestre, vou bolar várias variações para ela... preciso planejar melhor essa aula.

Bem é isso, não deixe de me escrever!
Valeu!
MANU

Será que dá pra sentar na janelinha?

Não. Começar é difícil. É como sentar na cadeirinha do teleférico com ele em movimento.
Então o jeito é começar de qualquer jeito, do jeito possível, do jeito que foi foi, melhor do que não ir.
Eu comecei a escrever pra organizar as minhas idéias e pra que alguém leia e escreva as suas.